terça-feira, julho 26, 2011

O que é resistência em Psicanálise? Por Lucas Napoli.

Sigo o blog do Lucas Napoli, adoro os artigos dele e ele foi muito feliz neste sobre resistência. Vale a pena conferir!


Conservo na memória lembranças muito divertidas da minha época de estudante de Psicologia. Uma delas tem a ver precisamente com a noção que tentarei explicar neste texto.

Quando ficou claro para a maior parte de meus colegas que eu escolhera peremptoriamente a teoria psicanalítica como método de compreensão e intervenção nos fenômenos psicológicos, aqueles que haviam feito a opção por outras linhas de trabalho se alegravam de maneira sarcástica em me provocar com a sentença mordaz: “Isso deve ser resistência.”. Subliminarmente, objetivavam com isso dizer que o conceito de resistência era uma espécie de desculpa esfarrapada utilizada pelos analistas para se preservarem quanto à responsabilidade por seus fracassos terapêuticos. Em outras palavras, o argumento de meus colegas era o de que, por exemplo, todas as vezes que um paciente não quisesse continuar um processo analítico, o analista estaria isento de responsabilidade quanto a isso, pois a motivação para a evasão do paciente seria sua resistência ao tratamento. Como eu não tenho nenhum compromisso com a “preservação” da psicanálise – pois eu apenas utilizo o ensino de Freud e dos demais autores; não os cultuo – não procurava defender-me daqueles irônicos ataques. Pelo contrário, a ignorância ressentida de meus colegas me fazia dar boas gargalhadas. De fato, o que eles diziam não era totalmente falso.

Muitos analistas se refugiam no conceito de resistência para se defenderem do reconhecimento das próprias falhas. No entanto, obviamente essa não é a regra. Na maioria das vezes, os analistas fazem uso apropriado do conceito que, como veremos abaixo, serve para caracterizar uma série de eventos em análise que manifesta um fenômeno paradoxal descoberto por Freud.

A resistência como parteira da psicanálise


Apesar de Lacan não ter considerado o conceito de resistência como fundamental – para ele, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise eram inconsciente, pulsão, transferência e repetição – Freud dizia que a condição teórica para que alguém pudesse ser reconhecido como psicanalista seria o reconhecimento, no tratamento, da existência dos fenômenos da transferência e da resistência. Por que o pai da psicanálise considerava o discernimento da resistência como elemento necessário para um tratamento genuinamente psicanalítico?

Porque foi o reconhecimento da resistência o pivô da transformação do método catártico em método psicanalítico. O leitor versado na história da psicanálise sabe que Freud utilizou dois métodos terapêuticos antes de inventar a psicanálise: a hipnose e a catarse. Em ambos, o princípio que guiava o trabalho do médico era o mesmo: fazer sair do paciente os venenos psíquicos que estavam na gênese de seus sintomas. Esse procedimento efetivamente funcionou durante algum tempo, mas logo Freud se apercebeu de que ele não era suficiente. Isso aconteceu por uma razão no mínimo paradoxal: os pacientes não queriam por seus venenos para fora!

O aparelho psíquico parecia funcionar de uma maneira distinta do corpo. Enquanto o organismo se esforça para expelir através de vômitos, diarréia e outros sintomas uma substância tóxica ingerida, o psiquismo parecia apresentar uma… resistência a livrar-se de seus conteúdos venenosos. Ao discernir essa curiosa característica do aparelho psíquico, Freud abandona a hipnose e o método catártico, pois percebe que não adiantava forçar a barra e tentar quebrar a resistência brutalmente. Era preciso criar um método capaz de compreender por que há resistência, de modo a “convencer” o aparelho psíquico a renunciar a ela. Nasce, assim, o método psicanalítico.

Por que há resistência?

Aplicando a psicanálise, Freud descobre de fato as razões pelas quais o aparelho psíquico resiste a lançar para fora seus conteúdos tóxicos. Trata-se da descoberta da divisão subjetiva. Diferentemente do organismo, o psiquismo não é uno, não é integral. Pelo contrário, é dividido, fragmentado, de modo que aquilo que em uma esfera psíquica é reconhecido como veneno, em outra é tido como uma saborosa sobremesa. Essa ambivalência e ambigüidade amiúde não são reconhecidas pelo sujeito, pois seus sintomas mantêm tudo numa homeostase doentia. Em outras palavras, o sujeito “conserva” sua inteireza psíquica à custa de sua doença. A ação do psicanalista vai na contramão desse processo. A análise vai levar o paciente à constatação de que seus sintomas são, na verdade, a manifestação patológica, doentia, sofrida de um desejo que não pôde ser reconhecido, que não pôde ser encarado de frente. Em suma, a análise vai levar ao paciente à compreensão de que ele não sabe nem a metade da missa que é; vai levá-lo ao reconhecimento de que é um ser ambíguo, ambivalente, dividido, radicalmente distinto daquele ser inteiro e consciente que acreditava ser. Nesse processo, o analisante vai descobrir coisas não muito agradáveis a respeito de si. Aliás, o próprio fato de constatar o desconhecimento em relação a si mesmo já é profundamente angustiante. A análise o levará ao reconhecimento de pulsões que jamais esperaria encontrar em si, de modo que ele será levado a admitir que os venenos psíquicos dos quais quer se livrar são, na verdade, preciosidades que guarda com muita satisfação…

Pois bem, ninguém se livra de preciosidades sem impor alguma resistência. E não importa se essas preciosidades matam. Todos os toxicômanos estão aí para testemunhar a veracidade dessa afirmação. O analista é aquele ser filho do desejo de Freud que quer trazer essas preciosidades venenosas à luz, tirá-las das caixinhas em que as guardamos. Mas nós não queremos a luz. Temos medo de reconhecer para nós mesmos que somos colecionadores dessas preciosidades. Temos medo do que nós podemos pensar sobre nós mesmos: “O que o meu ego dirá quando eu lhe mostrar essas preciosidades?”

É por esse medo que as guardamos no sótão da alma. É por esse medo que resistimos, medo de experimentar essa angústia de reconhecer que minhas preciosidades não serão reconhecidas como tais por todos os pedaços de mim que me habitam.

Lucas Nápoli é psicanalista, graduado em Psicologia pela Universidade Vale do Rio Doce (Univale) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Blog: http://lucasnapoli.wordpress.com/

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